
por António Pedro Dores*
Precisamos um partido de paredes de vidro a múltiplas vozes, sem centralismos, seja qual for o adjectivo que se lhe siga. Precisamos de um partido virado para a liberdade de expressão dos militantes de base e para os seus problemas locais e não para consagrar mediaticamente as mais brilhantes ideias de dirigentes vitalícios. Queremos um partido europeísta mas que não aceite ordens de Bruxelas, como ultimatos. Queremos uma União Europeia dos povos e não dos burocratas e seus aliados, de moral cada vez mais duvidosa e perdida. Esse partido – apesar de desejável – não existe em Portugal.
Queremos criá-lo?
A esquerda purificada finge-se irresponsável perante o que se passa em Portugal, pelo facto de não pertencer ao arco do poder. Na prática, tal atitude tem negado às propostas de esquerda qualquer vigência regular e eficaz na vida institucional e, portanto, na vida social. A Nova Esquerda deve começar por assumir as suas responsabilidades próprias na situação, pelo simples facto de não se ter constituído antes – apesar do espaço político estar lá vazio, faz muito tempo, à espera de ser ocupado. Não vale a pena fingir, como foi feito na viragem de regime de 1974, que não há responsáveis pelo descalabro, nem dentro do regime nem fora dele. Se alguma coisa precisa de (e pode) mudar em Portugal é a ética política e pública.
O medo difuso mas persistente e característico que sentimos e vivemos tem de ser substituído pelo orgulho. Orgulho de querermos mudar de vida e sermos capazes de dar passos nessa direcção. Não em função de seitas que asseguram a subida na vida, como pactos com o Diabo. Não em função da resignação perante as convenientes aparências das “solidariedades” com Bruxelas, branqueadoras e estimuladoras da corrupção organizada aos mais alto nível em diversos (todos?) os estados da União. Orgulho de darmos a nossa cara e o nosso tempo para nos organizarmos, em solidariedade com outros, que pensem de modo diferente mas que compreendam a necessidade de sanear a vida pública.
Essa solidariedade de que Portugal e a Europa precisam para cumprir as suas melhores tradições – em particular a tradição democrática liberal e social por direitos – é pluralista. Deve, pois, estender-se a todas as organizações cívicas e políticas que possam colaborar para dobrar este cabo das tormentas em que estamos encalhados. Porém, se há instituição que faz falta, essa é a de uma força política capaz de dar esquerda à governança de Portugal e, ao mesmo tempo, libertar cada um dos portugueses e das instituições em que trabalham do torpor herdado do obscurantismo que, por toda a evidência, o regime actual quis continuar do regime fascista, como garantia de paz podre, que efectivamente conseguiu.
O sequeiro de que Portugal foi alvo nos tempos mais recentes está a chegar ao fim. Não porque a Esquerda tivesse feito alguma coisa por isso. Mas simplesmente porque o saque já não tem mais por onde continuar a crescer. As desigualdades evidentes duram há muitos anos, mas são hoje moralmente intoleráveis. Pior é a cumplicidade evidente das principais instituições do país. A falta de democracia que temos vivido revela-se nos resultados: nenhuma esperança de mudança. Tudo é ficção e vigarices.
Cada um terá que assumir a sua cota de responsabilidade, humildemente, para que as próximas gerações possam usufruir de um espaço público educado e despoluído. Como no tempo das catedrais, cada artesão há-de produzir-se e assinar a sua pedra. Para reconhecimento futuro da nossa vontade colectiva. A Nova Esquerda será isso ou não será.
*Sociólogo, membro da Comissão Directiva
Foto: DR
Sem comentários:
Enviar um comentário