por Alan Stoleroff*
Fui solicitado pelo jornal Público para permitir um jornalista acompanhar-me durante a minha observação da manifestação da CGTP em Lisboa no dia 29 de Maio. Achei a proposta interessante - mas o resultado deixou-me desiludido e incomodado. O artigo falou mais de mim que da manifestação; o professor do ISCTE foi tratado como uma espécie de celebridade e, além de ter algumas citações erradas, o artigo diminuiu a substância de comentários que fiz sobre a significância política da manifestação.
Tratam-se de tribulações típicas da relação entre académicos e a comunicação social. Mas estas coisas acontecem demasiado frequentemente quando está em causa o sindicalismo português. Muitas vezes as nossas palavras são utilizadas pelos jornais para criar sensação em vez de informar. Os jornalistas têm que compreender que tudo que escreverem sobre o sindicalismo mexe com as vidas de quase um milhão de trabalhadores e as suas famílias e a situação do país. Isso implica muita responsabilidade.
Queria clarificar algumas observações:
A manifestação foi uma grande mobilização sindical e popular genuína de protesto contra o PEC e as medidas de austeridade - independentemente de terem sido 130.000 ou 300.000 participantes. Isto foi o teor dos meus comentários sobre o tipo e número de participantes. Acho que é absolutamente necessário que se dê voz ao descontentamento da população trabalhadora e acho que a CGTP cumpriu o seu papel sendo veículo desse protesto necessário. Várias vezes disse claramente ao jornalista que as palavras de ordem responsabilizando os bancos pela crise tinham exactidão "científica" e que uma política justa punha mais ónus sobre os bancos para "pagarem a crise".
É verdade que reagi aos comentários polémicos de Manuel Carvalho da Silva sobre a UGT e a greve geral mas também reagi aos comentários de João Proença da UGT. Acho que uma greve geral - se fizer sentido neste contexto em Portugal - não deveria ser convocada por apenas uma das centrais sindicais, mesmo que essa seja a maior, e que às vezes é melhor manter o silêncio sobre os conflitos entre as centrais, pelo menos, até haver uma verdadeira tentativa confidencial de diálogo procurando os pontos de convergência. Para fazer sentido uma greve também terá que ter prospectivas de sucesso e terá que ter uma estratégia articulando objectivos para uma negociação que vise ganhar algo efectivamente (o que significa uma estratégia flexível que admite concessões em troca de contrapartidas). Não se deve gastar os recursos da capacidade mobilizadora grevista dos sindicatos apenas para um protesto. Para isso há manifestações como a de ontem. Porventura, acho que o verdadeiro diálogo com o movimento sindical - no seu conjunto - é indispensável para tirar o país destas crises de que sofremos. Contra os trabalhadores e os seus representantes sindicais de ambas as centrais não há solução para estas crises e, de facto, desde a Reforma da Administração Pública até as medidas mais recentes, a abordagem dos partidos no poder tem pecado por essa lacuna fatal e intencional. Também acho que é fundamental que o movimento sindical tenha uma perspectiva estratégica que lide com a complexidade da situação política actual, ou seja, se o Governo actual cair, a porta estará aberta para a retomada do poder pelas forças políticas que demagogicamente aproveitam do descontentamento para desregular o mercado do trabalho e privatizar radicalmente os serviços públicos. Esse resultado condenará Portugal a um atraso devastador em termos do seu desenvolvimento económico e social.
Finalmente, por mais satisfação pessoal que possa sentir ao ouvir elogios de ex-alunos sindicalistas, quero deixar muito clara a opinião seguinte: "os académicos apenas interpretam o mundo; a tarefa dos sindicalistas no terreno é transformá-lo!"
30.05.2010
* Professor do ISCTE
Foto: NE
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